Objetivo

Basicamente, este blog objetiva a realização de intercâmbio cultural e de informações, mormente entre os confrades da Academia Ubaense de Letras, entidade da qual o administrador é membro efetivo. O conteúdo poderá ainda subsidiar estudantes ou simpatizantes das letras, seja em pesquisas escolares ou levantamento de informações relacionadas, por exemplo, com a história do Município ou da microrregião de Ubá e da própria AULE.



segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

ESTEVAM NA COLETÂNEA DE TRABALHOS LITERÁRIOS DOS MEMBROS EFETIVOS DA AULE - 2010

TRANSCRITO DA COLETÂNEA DE TRABALHOS LITERÁRIOS DOS MEMBROS EFETIVOS DA AULE, PÁG. 15 A 35


E s t e v a m

e n t r e v i s t a

T a r c i z i o


Antonio Carlos Estevam
Membro efetivo da Academia Ubaense de Letras
Cadeira n. 21, patrono jornalista Otávio Braga,
sucedendo o escritor Sílvio Braga


U M A E N T R E V I S T A S É R I A E
A P A I X O N A N T E

CONHEÇA AS IDÉIAS DE UM PENSADOR QUE PODEM ESCLARECER SUAS DÚVIDAS

(SOB O SUBTÍTULO ACIMA, CUNHADO PELO PRÓPRIO JORNAL, ESTA 1ª. PARTE DA ENTREVISTA FOI PUBLICADA NA ÍNTEGRA, OCUPANDO TODA A ÚLTIMA PÁGINA DO HEBDOMADÁRIO LOCAL,
ENTÃO EM CIRCULAÇÃO,
TRIBUNA REGIONAL,
DE
UBÁ, MINAS GERAIS,
EDIÇÃO DE 20/08/2000)

Breve intróito

A história parece cruel quando não nos deixa negar. Malgrado a insistência, hoje, na busca da conciliação, sabe-se que a Igreja, ao longo dos séculos, pautou sua conduta na defesa intransigente do “monopólio da fé”, reivindicando-o para si. Foi como se se aplicasse a máxima do apóstolo Paulo, com adulteração: “Fora do catolicismo (em vez de fora da caridade) não há salvação”.

A afirmação acabada de ser colocada é do nosso entrevistado, professor Tarcizio de Mauá (assim mesmo, com “z” e sem acento).

Com aquela propriedade de anônimo Pensador contemporâneo, que não aceita adotar para si “conceitos ultrapassados que nada constroem”, Tarcizio, atendendo a solicitação deste seu velho amigo, dignou-se a manifestar sua sábia opinião sobre as afirmações abaixo, tão comumente ouvidas neste “maior país católico do mundo”. Opinião independente e de valor inquestionável, porquanto fundamentada na leitura reflexiva de autores consagrados, são dele afirmações como:

 O caminho para minorar a injustiça social reinante passa, necessariamente, pela cristianização das pessoas; mas só é capaz de promover a evangelização quem não é beneficiário das injustiças...
• Feliz aquele que, não vinculado a religião consegue sentir-se verdadeiro cristão. Talvez tenha sido o caso, por exemplo, do antropólogo Darcy Ribeiro. Pessoas assim de tamanha utilidade para a sociedade foram, de tal forma, grandes, que dispensaram o ‘caminho das promessas’ (via única, na opinião da maioria).
• Ao ditar o caminho da salvação, o Salvador teria pretendido dizer que ‘a ninguém dotado de capacidade de discernimento é dado passar por este mundo e, sendo-lhe oportuno viver como adulto, nada legar de positivo para um melhor caminhar da humanidade rumo à perfeição’.

Agradecendo ao nosso entrevistado, passamos à sua gentil manifestação sobre cada questão abaixo colocada.

A entrevista

ESTEVAM - FULANO NÃO CRÊ NO ESPÍRITO SANTO; SICRANO NÃO ACREDITA EM NOSSA SENHORA...
TARCÍZIO - Transparece a impressão de condenação. Aquele que faz a afirmação parece entender que sustentar a crença acima, ainda que sem fundamentá-la, é imprescindível para se “alcançar a salvação”. É como se mais importasse a pessoa “se dizer crente” do que viver de acordo com os verdadeiros preceitos de Justiça. As expressões “Espírito Santo” e “Nossa Senhora” são criações da Igreja Católica. Assim como no monoteísmo o “Deus humano” dos budistas é Sidarta e o dos muçulmanos é Maomé, o Deus dos cristãos é (só) Jesus. A Santíssima Trindade (à qual parece que a Bíblia não faz referência) é criação do catolicismo, como mistério (um dos dogmas da fé).
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ESTEVAM - FREQÜENTA A MISSA REGULARMENTE, MAS, QUANDO REZO O CREDO, SALTO AQUELA PARTE “CREIO (...) NA SANTA IGREJA CATÓLICA”.
TARCÍZIO - Há coerência no comportamento dessa pessoa. A “reza decorada” parece configurar mera praxe facilitadora, assim dizemos, do ato de “conversar com Deus”. Seria subestimar a Inteligência Suprema, achar que Deus exige crença cega e incondicional em tudo o que a assinatura de uma meia dúzia de mortais comuns entendeu de colocar como “leis da Igreja”, cujo não cumprimento sujeitaria o (in)fiel à condenação. Pertencer à Igreja Católica tem que ser visto como uma forma de manter-se fiel seguidor dos exemplos de Cristo e não de regras ditadas em nome dele. A reza é - no nosso modesto entendimento - para ser exercida como uma forma de se sentir mais próximo do nosso “Princípio e Fim”.
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ESTEVAM – VAI À IGREJA, MAS É ESPÍRITA...
TARCIZIO – O templo católico é aberto ao público, com entrada franqueada a quem lá dentro se comporte “como gente”. A história, mesmo, da Instituição, mostra o costume da sua utilização para acontecências sociais. A própria Missa é vista por muitos como tal. Não vejo sentido em achar que o Criador renega uma inteligência produto da sua criação pelo fato simples de o portador professar outra fé. Aliás, adotar para si esta ou aquela crença não significa ser bom cristão; o que vale é buscar ser útil na medida toda em que se é capaz e em cada momento da existência, de modo que, evitando o mal para os outros e utilizando o tempo vivido para quaisquer formas de prática do bem, a soma algébrica dos feitos e omissões dessa pessoa resulte em saldo positivo. Em outras palavras, é dever de cada um fazer jus ao privilégio da inteligência, ou seja, da capacidade de discernimento que lhe foi dada.
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ESTEVAM - JÁ ERA BATIZADO NA CATÓLICA, AGORA DIZ QUE BATIZOU-SE DE NOVO NA PROTESTANTE.
TARCÍZIO - O batismo é uma forma simbólica de ingresso da pessoa na comunidade cristã. Seria sem sentido a condenação divina ao fato de alguém recebê-lo por mais de uma vez - ministrado que fosse por católico ou não.
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ESTEVAM - FOI IMPEDIDO DE FAZER O ENCONTRO DE CASAIS POR SER DESQUITADO DE OUTRO CÔNJUGE – PRÁTICA NÃO APROVADA PELA IGREJA.
TARCÍZIO - A atitude é tão tola quanto a de qualquer religião que expulsa meros adeptos sob a alegação de descumprimento de “mandamentos”. Caracteriza um duplo erro, na medida em que significa negar à pessoa aquilo de que mais necessita e que é o próprio objetivo do Encontro: formação de consciência cristã.
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ESTEVAM - VAI À MISSA, MAS NÃO TEM AQUELA FÉ QUE RECITA NAS ORAÇÕES.
TARCÍZIO - Isso parece regra sendo vista como exceção. Ademais, reza decorada pode ter sido instituída objetivando mais a padronização de ritual, inclusive racionalização/organização de liturgias. A conversa sincera com Deus é a que brota de dentro da pessoa.
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ESTEVAM - AQUELE PADRE REVELA TER MUITA FÉ: ELE SE REFERE A JESUS, A NOSSA SENHORA E AOS SANTOS SEMPRE DE MANEIRA ENFÁTICA, APOIA MUITO AS COMUNIDADES DE BAIRRO, PROLONGA A MISSA COM REFLEXÕES, GENUFLEXÕES, AVE-MARIAS E OUTRAS REZAS...
TARCÍZIO - O padre é um profissional a serviço da Igreja. É normal, pois, impor um estilo que entende como o melhor que conseguiria adotar com vistas a um resultado também melhor do seu trabalho de “pastor responsável por aquele rebanho”. Tendo menos ou mais fé, sente como recomendável transparecer esta última impressão. Mormente quando a vê como capaz de compensar eventuais “deficiências profissionais” (que pode ser ou não o caso).
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ESTEVAM - SE DIZ CRISTÃO, MAS PARA ELE NÃO EXISTE SANTO.
TARCÍZIO - Santo foi um título criado pela Igreja para distinguir mortos cuja vida foi - a juízo da alta autoridade eclesiástica - exemplo incomum, modelo de cristão a ser imitado, tornado um legado de altíssima relevância. Mas pode haver quem foi canonizado sem tanto merecer, como pode alguém que fez mais jus ao título não ter sido contemplado com ele. O comportamento acima é preferível ao dos que confundem santo com a Divindade.
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ESTEVAM - FREQÜENTA A IGREJA, MAS FALA MAL DELA.
TARCÍZIO - Criticar não é necessariamente falar mal. Quem vai à Igreja como forma de ter uma atividade espiritual, entendida como necessária a todo humano, para si reserva, evidentemente, o senso crítico normal também para julgar a instituição. De que valeria, afinal, a condição de neutralidade...?
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ESTEVAM - FALA QUE É CATÓLICO, MAS POUCO OU NADA LÊ A BÍBLIA...
TARCÍZIO - Lê-se em dicionário: Bíblia é o “Livro sagrado dos hebreus”. Ora, o Cristianismo foi criado pelos seguidores de Jesus, por orientação deste. Jesus freqüentava o Judaísmo, no qual nasceu e do qual tornou-se dissidente. O Cristianismo oficializou-se como Catolicismo; acresceu ao “Livro sagrado dos hebreus” o segundo testamento e ficou sendo o “pai da criança”. Pode ser melhor não ler mesmo a Bíblia do que interpretá-la sempre ao pé da letra. “Se alguma parte do teu corpo te levar a pecar, corta-a; se teu olho te faz desejar o que não é teu, fura-o...”. Bom para evitar tais equívocos, muitas vezes graves, seria, isto sim, inteirar-se da História de tudo isso.
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ESTEVAM - VAI À MISSA, MAS QUASE NÃO COMUNGA; É UM MAU CATÓLICO.
TARCÍZIO - Ao que se sabe, a chamada Eucaristia foi instituída na despedida ‘final’ de Jesus e só aqueles que mostravam comungar as suas idéias, acatando incondicionalmente toda orientação dele emanada, tinham direito a receber aquele sacramento. Tanto que a Santa Ceia aconteceu em reunião fechada. Gesto que continuam, certamente, sendo poucos os que a ele fazem jus, a consciência de cada um é quem dirá se ele deve ou não comungar. Entendida erroneamente - por muitos, acredito - como forma de “limpar a alma”, a Comunhão parece que tem sido recebida mais como um jeito de bater no peito e afirmar: “A minha alma está purificada!”.
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ESTEVAM - SE DIZ CATÓLICO, MAS SE LIMITA A IR À MISSA; OU NEM ISSO.
TARCÍZIO - Não entendo que uma das funções do bom católico seja viver lutando pela preservação do catolicismo. É bom esclarecer que não se trata de ser contra ou a favor da proliferação dessa religião; mesmo porque, ela tem muitas virtudes. Mas ninguém é digno de ser imitado só por ser católico e ninguém deve copiar a maneira de ser religioso do outro. O que determina o tipo de gente que eu sou é a maneira como eu conduzo a minha vida, limitando-me que seja a freqüentar a missa/culto/reunião/reza... ou até nunca indo. Senão, vejamos o providencial questionamento de autoria do padre católico José Luiz Gonzaga do Prado, da Diocese de Guaxupé, Minas Gerais. Sob o título “A Realidade”, diz o texto do sacerdote, publicado no semanário litúrgico Deus Conosco, Ed. Santuário, Aparecida-SP, de 14 OUT 2007: – Tenho visto um adesivo com estes dizeres: ‘Sou católico graças a Deus’. Isso talvez mereça alguma reflexão. Que razões levam a pessoa a alardear sua condição católica? Por que ‘graças a Deus’? Quem está filiado a outras igrejas cristãs, ou é judeu, muçulmano, umbandista, budista, ou não está ligado a qualquer denominação religiosa, é um infeliz, um condenado? Ser católico significa ser melhor do que os outros? A pessoa talvez esteja querendo dizer que cumpre fielmente os Mandamentos da Igreja: Missa dominical, jejum e abstinência, comunhão pascal, dízimo e mesmo, outras ‘que a Igreja manda’. Isso a faz uma boa pessoa ou apenas um observante fiel da tradição?

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ESTEVAM - VAI Á IGREJA, MAS METE O PAU EM TANTA COISA QUE O PADRE FALA.
TARCÍZIO - O padre é um profissional a serviço da Igreja. Fala para platéia muito heterogênea. O discurso versa sempre sobre um tema muito delicado: a fé. Tudo o que exterioriza, tem que fazê-lo como se fosse a sua própria convicção. Experimente conversar com um padre em ambiente que não o de fiéis, você se mostrando gente esclarecida e de certo status e ele certo de que você não sabe que ele é padre. Diversifique os assuntos, tendendo para o lado que você sente ser mais o ponto fraco do padre...
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ESTEVAM - O PADRE FALOU QUE ISSO ASSIM-ASSIM É PECADO...
TARCÍZIO - Quem concebe pecado como a prática de atos ou omissões lesivos a outrem, não se contenta com a mediocridade e tem a consciência bem formada não precisa catalogar, em sua memória, as atitudes que seriam consideradas – por clérigo ou não clérigo – pecaminosas.
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ESTEVAM - AQUELE PADRE SE RECUSOU A CASAR FULANO, OU A BATIZAR SICRANO.
TARCÍZIO – Ao assim proceder, o sacerdote talvez tenha se comportado mais como profissional, que, afinal de contas, é. Se a pessoa se acha mesmo digna de receber tal sacramento, é só procurar outro padre. O julgamento que, nessa qualidade, fez dela, é uma questão de consciência dele. ‘Troque-o’ por um estranho.
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ESTEVAM - NÃO PODE CONTINUAR SENDO PADRE, PORQUE DISCORDA DO CELIBATO CLERICAL.
TARCÍZIO - Uma simples questão de opção, enquanto esta for apenas uma das “n” e mais antigas pendências em torno das quais a Igreja ainda não conseguiu mobilizar coragem de abrir o debate para, com a prevalência da razão, solucionar. Reporto-me à crônica de Luís Nassif que li na Folha de São Paulo em 10/09/2000, intitulada SAUDADES DE JOÃO 23 http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2007/05/12/saudades-de-joao-23/ .
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ESTEVAM - NÃO PODE SE CONSIDERAR BOM CATÓLICO, PORQUE NÃO PAGA DÍZIMO.
TARCÍZIO - Também é questão de opção. Assim como as empresas têm, na sua contabilidade, contas de provisão para prejuízos ou depreciações, a Igreja também tinha que instituir os seus “fundos”. Enquanto ela não cria a necessária coragem de optar por uma forma de arrecadação única, em que as despesas seriam rateadas proporcionalmente à renda do “dizimista” - mas a Igreja assumindo, mesmo, que é obrigatório -, a espórtula e a coleta continuam valendo como alternativa, principalmente para quem cada vez freqüenta um templo diferente. O fiel não sabendo (de acordo com um critério justo) qual seria mais ou menos a sua parte, pode não doer-lhe a consciência por se furtar em contribuir. Não se trata de achar errado a Igreja deixar à vontade do adepto; ela deveria optar por “rasgar o verbo”, inclusive expondo, absolutamente, todas as suas contas a eventuais exames. Caberia, talvez, orientar para que os recursos que têm feito florescer templos, bairros afora, nem sempre bem conduzidos por leigos na natural falta de padres, fossem canalizados para os templos em pleno funcionamento. Fazendo lembrar, no setor de Saúde, a progressiva queda no nível de atendimento médico em postos, ao arrepio da multiplicação do número deles, crescimento que, paradoxalmente, os usuários não cessam de defender na, infelizmente falsa, suposição de que nos novos postos será diferente. Enquanto que, bem sabemos, a única certeza de aumento é do ônus – já gigantesco – para o contribuinte, com mais pessoas sendo dependuradas na folha de pagamento pública.
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ESTEVAM - IGREJA É SÓ A CATÓLICA, PORQUE FOI ELA QUE CRISTO CRIOU.
TARCÍZIO - O argumento de que Cristo fundou o Catolicismo não se sustenta: parece repousar sob grave ignorância ou má interpretação dos fatos. Os próprios ensinamentos religiosos mostram, através do Evangelho, que Jesus comportou-se de forma apolítica. Nasceu no Judaísmo e contra este se posicionou toda a vida, mesmo freqüentando-o. A célebre “entrega das chaves do reino dos céus” a Simão, tornando-o Pedro, teria sido a transferência da responsabilidade aos discípulos de prosseguirem na busca e aceitação só da Verdade, mas nunca optando por formas “político-partidárias” de ensinar a fé, como àqueles tempos já vigorava. Ademais, o que ele teria fundado não é o Cristianismo? – pergunta que fica no ar, por exemplo, no monumental romance da história da filosofia “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder.
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ESTEVAM - REZA, POR DIA, SÓ UM TERÇO; TINHA QUE “COMPLETAR O ROSÁRIO”.
TARCÍZIO - Criação da Igreja, e não de Jesus, o Terço – hoje Quarto? – parece ter sido instituído como forma de cultuar a mãe de Cristo, em devoção que foi-se intensificando com as chamadas “aparições”. Sem questionar o valor das orações, diria que o “conversar com Deus” há de ser, por Ele, mais valorizado pelo quanto você se sente aproximar d’Ele enquanto reza. Por se tratar de “reza decorada”, tende a ser prejudicada na qualidade, na medida em que maior a quantidade, posto que o pensamento se dispersa. E mais: a dedicação excessiva ao exercício de orações tradicionais pode inibir as maneiras de se dirigir a Deus mais informalmente, qual seria colocá-LO mais como amigo do que como Autoridade. Não seria melhor atentar mais para o quanto se faz jus à proteção divina, do que arriscar-se a ser julgado como quem busca beneficiar-se à custa de bajulação?
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ESTEVAM - REZA MUITO, MAS NÃO FICA ATENTO AO QUE ESTÁ RECITANDO.
TARCÍZIO - Sabemos que no trabalho deve-se buscar uma forma de auto-realização, procurando evoluir na maneira como se desenvolve as atividades, de modo a aprimorar as habilidades, visando ao aperfeiçoamento. Celebridade da Neurolingüística, o Dr. Lair Ribeiro é quem diz: “Se você continuar fazendo as coisas como sempre fez, continuará obtendo os mesmos resultados de antes”. E, por que não admitir que a fórmula se aplica também ao hábito da oração, já que orar, verdadeiramente, parece ser melhor entendido como “caminhar para Deus”? E mais: o exercitar na prece, da forma como foi colocado pelo entrevistador, parece mesmo anular o valor que ela teria. Por fim, ficar atento todo o tempo a uma mesma atividade mental, meramente repetitiva, vai-se tornando difícil e sendo sentido, cada vez mais, não prestar-se a nenhum objetivo lógico.
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ESTEVAM - DESCASOU-SE, LOGO NÃO PODE MAIS SER CATÓLICO.
TARCÍZIO - Não acho nem que seja a Igreja quem diz isso. Mas sabemos que foi o Homem de Nazaré quem falou que “Vim não para os de alma pura, mas sim para os pecadores”. Embora elevada à dignidade de sacramento, uma vida a dois não pode se sustentar uma vez desastrada, ao ponto de ser preferível a manutenção da penúria à busca de nova chance para ambos. Seria estabelecer que o equívoco não pode ser desfeito ainda que o equivocado se disponha a fazê-lo. Quantas separações assim têm, afinal, resultado em duas novas famílias felizes! E, se no entendimento dos católicos tal religião é o caminho certo, por que “expurgar” dela quem busca reconstruir vidas que revelem condições psicológicas, morais e religiosas para a formação de uma nova e bem constituída sociedade doméstica, a despeito do malogro da primeira experiência? Se Jesus condenou a separação conjugal, não terá incluído na condenação o tipo de divórcio a que acabamos de aludir.
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ESTEVAM - É UM CIENTISTA, UM DOUTO, MAS NÃO ACREDITA EM DEUS; LOGO NÃO É GENTE QUE PRESTA.
TARCÍZIO - A crença em Deus tanto pode ser professada de múltiplas formas como há quem não a professe de forma alguma. Tem, porém, nisso, uma afirmação absolutamente certa a ser feita: fé imposta não é fé. Estranho, mesmo, seria um Pesquisador se contentar com o que chamaríamos de fé ignorante, infantil, que não evoluiu. Talvez esse estudioso pudesse conceber uma fé pouco compreensível àqueles que a professam da forma mais usual. Respeitado educador, homem de utilidade inquestionável para a sociedade, o grande pensador, catedrático universitário e escritor Darcy Ribeiro foi quem disse, em entrevista, às vésperas da morte: “Infelizmente, não levo comigo o consolo de uma crença na eternidade...” E para quem pensa que Darcy – “o ateu” – buscou a Deus e não achou, ouça esta do ex-frei Leonardo Boff, o gênio da Teologia da Libertação, com mais de sessenta livros publicados e que foi excomungado pela Igreja: “Darcy, sem o pretender, deixou nas suas obras, inclusive as literárias, as marcas da verdadeira fé em si mesmo. E a crença, que ele mesmo chegou a confessar-se invejoso da própria mãe que a professava com convicção, Darcy te-la-á encontrado na ‘nova vida’. O Deus que concebo não ‘renegaria’ filhos como aquele. Ele foi um homem de muita fé, isto sim. Se ‘a fé sem obras é uma fé morta (preceito bíblico)’, Darcy foi um exemplo vivo de que mais vale realizar do que apenas professar”.
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ESTEVAM - QUE MOTIVO TERIA ALGUÉM PARA OPTAR POR SER CATÓLICO?
TARCÍZIO - Prefiro citar razões para se permanecer no catolicismo. Ouve-se dizer: “Todos nascemos católicos; depois é que se muda”. Diria que o Catolicismo é primogênito do Cristianismo. Ele veio para renovar a mentalidade, e permaneceu. A Boa-Nova está atualíssima, dois milênios depois. Erros são próprios das religiões, porquanto comandadas, governadas, dirigidas, concebidas, controladas por humanos. O próprio Deus, dir-se-ia que de certa forma é criação nossa, isto é, da inteligência, da concepção humana. Mas é diferente, porque a Igreja é produto do homem; Deus não. Sendo produto do homem e por ele governada, acumula uma sucessão de erros que vão do conluio com o poder civil à saga da inquisição e à defesa dos interesses subalternos de muitos dos seus dirigentes, ao longo da sua longa história. Há quem veja religião como ‘um mal necessário’ a muitos. Permanecer católico pode ser sentido como uma forma de assegurar a manutenção de uma atividade espiritual, esta sim, imprescindível para um bem-viver.
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ESTEVAM - HÁ MUITO QUE AFASTOU-SE DEFINITIVAMENTE DA IGREJA, ALEGANDO NÃO VER SENTIDO EM FREQUENTÁ-LA; ESTÁ FADADO À CONDENAÇÃO.
TARCÍZIO – Ora, se a freqüência regular ao templo católico fosse passaporte garantido para “um bom lugar na suposta eternidade”, ainda assim seria um grave erro admitir que o simples fato de um fiel rebelar-se, no sentido em que foi colocado pelo entrevistador, o torna indigno do que a Igreja chama de salvação. Mesmo porque religião é coisa, possivelmente, tão antiga quanto a humanidade e não se tem notícia da infalibilidade de uma sequer delas. Todas mereceram ataques, rejeições. Decerto que há quem reivindique para si absoluta desincumbência de quaisquer afazeres espirituais. Se por mero comodismo, evidentemente que traz grave responsabilidade. Se sou matéria e espírito juntos, como desenvolver aquela relegando este? O que não vale, afinal, é a pessoa consciente de sua responsabilidade de humano que é, fazer de conta que ignora ser responsável por viver de forma a mostrar-se digno de ter sido feito “à imagem e semelhança do Criador”. Se o “(in)fiel” encontra, de sã consciência, fórmula julgada mais válida de merecer o céu”... Viver, por exemplo, a alertar aos ‘menos avisados’ sobre a necessidade de empreendermos luta permanente no sentido de minorar as injustiças, pode ser uma forma de evangelizar. Mais ainda quando o alerta, da forma como for feito, contribuir para suscitar dúvidas que os “crentes” não admitem, normalmente, debater... Aí podem ocorrer, na mentalidade do crente, mudanças de conceitos necessárias a se chegar a uma fé, assim dizemos, mais livre, menos obtusa, que, no fundo, ele almeja, e co-mo...


QUEM É O NOSSO ENTREVISTADO
De família de camponeses oriundos da circunvizinhança de Ubá, TARCIZIO GONÇALVES (grafado assim mesmo, com “Z” e sem acento) aqui residiu nos anos cinqüenta. Foi quando cursou o primário no Grupo Raul Soares, já em idade maior que a dos colegas. Depois, trabalhou no comércio. Sua família mudou-se para o interior paulista. Em Mauá, prosseguiu seus estudos até ingressar no magistério via concurso público. Solteiro, estudou teologia, mas não quis ser padre. Mestre em filosofia, lecionando história da educação na capital paulista ficou conhecido como professor Tarcizio de Mauá, em razão da sua procedência. Atualmente aposentado, profere palestras e escreve um livro de memórias.


SEGUE-SE A 2ª. PARTE DA ENTREVISTA, PUBLICADA QUE FOI NO TRIBUNA REGIONAL – EDIÇÃO DE 03/11/2002
PÁGINA 2 INTEIRA

ESTEVAM – PROFESSOR, ABRA VOCÊ A ENTREVISTA.
TARCIZIO – Pois bem. “Qual é a sua religião?” – perguntaram-me. Eu disse ao interlocutor que conseguiria responder com três palavras. Se assim o fizesse, porém, seguramente eu seria mal interpretado. Se quiser – confirmei – adianto essa resposta de 3 vocábulos. Mas, façamos um trato: você vai escutar, em seguida, a minha explicação. A pessoa topou. – A resposta é: Eu sou católico. Mas, explico: (...).

ESTEVAM - E ENTÃO ?
TARCIZIO - Há mais de vinte séculos a civilização só existia além-mar. Eram povos que, por sua vez, ignoravam não só que havia este lado de cá, a América, como não tinham, evidentemente, informações sobre a existência dos silvícolas, velhos habitantes deste continente. Muito mais ainda, ignoravam que aqui já haviam existido civilizações, talvez mais desenvolvidas que a nossa e que foram extintas. Lá, do lado deles, do lado que trouxe a civilização (a que conhecemos) para cá, ou seja, do outro lado do Atlântico, foi lá que nasceu o Salvador. Aliás, uma cultura que veio para o “Novo Continente ou Novo Mundo” junto com os colonizadores – no caso, civilizadores – os europeus.

ESTEVAM - ENTÃO, NÃO EXISTIA A VISÃO ATUAL DE UNIVERSO, DE COSMOS?
TARCIZIO- O que se concebia como Universo era o planeta Terra. E além do lado oriental conhecido, era como se existisse só a parte ocidental da Europa e da África. “O mundo” deixou de significar “a Terra” só depois que a América foi descoberta, há menos de 520 anos.

ESTEVAM - E A RELIGIÃO?
TARCIZIO - A religião, ao contrário, tem a idade da humanidade. Muito embora o estudo da Filosofia remonte a séculos antes de Cristo, por todo esse tempo lá de trás prevaleceu o ensinamento da religião. E ela se meteu a criar explicação para tudo, como se fosse a Filosofia. Só que, verdade pronta e acabada. A ciência, ao contrário, ensina a investigar, não a crer.

ESTEVAM - O SENHOR ESTÁ SE REFERINDO AO CATOLICISMO...
TARCIZIO - O milenar Catolicismo segurou o avanço da Ciência o quanto pôde. Um dos motivos, não teria sido o medo de ruir os alicerces da já tornada a mais poderosa e aliciadora instituição existente no planeta? Aliás, também a mais rica delas. Até hoje...?

ESTEVAM - AÍ, VALIA O QUE A IGREJA DIZIA QUE ERA?
TARCIZIO - A Igreja criou uma verdade e ficou sendo dona dela. Como a verdade é uma só (enquanto que as mentiras são inúmeras), a Igreja mantém o comportamento de quem entende que não pode mudar o que disse. E olha que é ela mesma quem ensina: verdade personificada, só o Onipotente, o Criador.

ESTEVAM - O QUE O SENHOR DIZ DO QUE CHAMAM ‘A PALAVRA DE DEUS’?
TARCIZIO - A Palavra de Deus, dita revelação, mas escrita por humanos, foi revista ao bel-prazer de dominadores da sociedade. Ainda que assim não o tivesse sido, não passaria de verdade relativa, posto que, absoluta – como já dissemos –, é só o próprio Deus. E verdade relativa não existe, porquanto a verdade é uma só – repetimos. E não somos nós, aliás, quem o dissemos. Foi Aquele que nada deixou escrito, quem disse: “EU SOU o (...), a VERDADE, a (...)”. Admitímo-Lo a encarnação de Deus, justamente porque não se tem notícia de alguém antes dEle com tamanha autoridade, a ponto de ter-se colocado assim.

ESTEVAM - O SENHOR DISSE QUE A RELIGIÃO É TÃO ANTIGA QUANTO O HOMEM...
TARCIZIO - Sim, dizíamos, há pouco, que a religião tem a idade da humanidade. O ser humano, por saber – diferentemente dos outros animais – que a sua vida tem limite, teme a morte. No mínimo, teme o sofrimento que a precede e o desapego que ela significa (uma derrocada total; a perda de tudo e de todos, até de si mesmo).

ESTEVAM - O SENHOR ACHA QUE O HOMEM SEMPRE BUSCARÁ SABER O FUTURO?
TARCIZIO - Assim será, enquanto existir a humanidade. E para tanto o ser humano tem que volver ao passado – já o têm dito autores de best-seller como Erick Von Daniken, de Eram os Deuses Astronautas? e Alvin Toffler, de O Choque do Futuro. Aliás, citaria ainda: Louis Pawels e Jacques Bergier, de O Despertar dos Mágicos – Introdução ao Realismo Fantástico. (Esta última obra coloca perguntas que os próprios autores chamam de “aparentemente loucas”, como: “Será a sociedade secreta a futura forma de governo? Terão existido em tempos imemoriais civilizações técnicas? Haverá portas abertas para universos paralelos? Estaremos avançando para alguma forma de ultra-humano?”).

ESTEVAM - E O HOMEM CONTINUARÁ A PERGUNTAR: “PARA ONDE VAMOS?”.
TARCIZIO - Continuará buscando e isto sim, significa a busca de Deus. Porque o Deus concebido em Verdade, jamais o avistaremos, porquanto ele não existe com forma humana ou mesmo com outro formato que lhe quiséssemos dar. Dar forma a Deus é negá-lo. Um Deus formatado teria sido feito por um outro ser e este sim é que, no caso, seria o Deus. Li, de alguém que não me lembro quem – porque é tanta coisa que a gente lê – ah, lembrei-me, foi de Leonardo Boff, que Deus é grande demais para o limite da farta imaginação que achamos que temos. Aliás, para o limite da nossa inteligência, mesmo. Deus não cabe na nossa cabeça. A busca permanente do futuro tornou-se uma ansiedade tão mais difícil de ser tolerada quanto menos estudiosa é a pessoa.

ESTEVAM - DAÍ A CRIAÇÃO DE VERDADES PRONTAS E ACABADAS?
TARCIZIO - Sim, e, por isso mesmo, como que falsas. É a chamada meia-verdade, ainda que o autor da afirmação tenha tido a melhor das intenções...

ESTEVAM - SERÁ QUE FALSIDADE NEM SEMPRE É ASSIM CONDENÁVEL...?
TARCIZIO - Permita-me acrescentar à pergunta: Basta que entendâmo-la (a falsidade) como bem intencionada? A isso talvez possamos atribuir essa multiplicidade de religiões, meu caro Antonio Carlos Estevam, que hoje cresce como nunca, confirmando o preceito: “... falsos profetas virão em meu nome...”.

ESTEVAM - POR QUE A CHAMADA “IMUTABILIDADE PÉTREA”?
TARCIZIO - O medo de ruir os pilares da Santa Madre teria causado essa indecisão das suas autoridades de cúpula, que continuam sustentando a Escritura como Sagrada, no sentido mesmo de absolutamente inalterável. Recentemente, as páginas amarelas de Veja entrevistaram um sacerdote americano de 47 anos, que está badalado na imprensa mundial. Retrógrado, defende de unhas e dentes a imutabilidade pétrea, tão condenada por Rubem Alves em seu artigo intitulado Petrus, que li na Folha de São Paulo. Rubem Alves critica veementemente a atitude do então cardeal Joseph Ratzinger, que defendeu o Catolicismo como a única religião legítima, autêntica, a única que leva à salvação. Aliás, a crônica assinada pelo tão conhecido quanto respeitado jornalista Luis Nassif, escrita também nesse sentido, no mesmo jornal de circulação nacional, precisamente em 10/09/2000, chegou a ser intitulada “Saudades de João 23”. O alto clero continua mantendo os mistérios – caro Estevam –, aqueles dogmas criados a um tempo em que a Igreja se meteu a dar explicações definitivas para coisas. Explicações, muitas das quais a Ciência já provou que são falsas.

ESTEVAM - EXEMPLIFIQUE, PROFESSOR TARCIZIO.
TARCIZIO – Pois não: disse certa feita o padre Fernando Cardoso –num dos seus programas de televisão, este regularmente levado ao ar antes das 7 da manhã na Rede Vida – que a virgindade de Maria é um daqueles casos que a Igreja quando não consegue explicação para coisas que afirma, decide que “a verdade é ‘esta’ e, ponto final!”. Ela insistiu que Jesus não era filho de José e não conseguiu explicar que gameta masculino foi esse que fecundou o óvulo de Maria, já que o Divino Espírito Santo não tem esperma.

ESTEVAM - MAS... O SENHOR ACHA QUE A IGREJA DEVE ESSA EXPLICAÇÃO?
TARCIZIO- Eu, ou o próprio reverendo? Senão, escute. “O fato de Maria ter-se engravidado de Jesus sem a participação de um homem, de um mortal, não significa que ela não manteve relações sexuais com São José, o que seria perfeitamente normal, legal, inclusive, já que eram marido e mulher”, foi como complementou Padre Fernando. Sabe, dileto Estevam, a decisão da Igreja, de rever os seus conceitos que já ruíram por terra veio sendo, foi e está sendo adiada indefinidamente. O custo disso, o tempo se encarregará de dizer.

ESTEVAM - E ISTO NÃO É BOM...?
TARCIZIO - A Instituição foi-se agigantando. As ditas verdades foram se cristalizando. Hoje, não devem os fiéis esperar que os clérigos falem este nosso linguajar nas missas. Eles lidam com platéia muito heterogênea. A mudança de paradigma é um processo. Não se faz com breves comentários em alguns cultos, sem debates; sem um estudo dirigido; sem uma preparação que torne cada fiel capacitado a absorver os conhecimentos necessários a banir a mentalidade arcaica de milênios.

ESTEVAM - NÃO CABE AOS SACERDOTES OPINAR, SUGERIR...?
TARCIZIO - Os padres, embora tenham conhecimento do que estamos dizendo (afinal, estudaram filosofia, teologia...), parecem portar um sentimento de desautorização, ou seja, de que não podem exteriorizar em público o seu próprio pensamento em relação a esse assunto.

ESTEVAM - MAS TEM PADRE QUE, DE ALGUMA FORMA, FALA...
TARCIZIO - Os Frei Betto’s, os Leonardo Boff’s e as Irmã Ivone Gebara’s o fazem, se bem que fora do ambiente da missa, ou seja, em palestras, em escritos publicados. Já os (in)fiéis não estão sujeitos a penalidades como a excomunhão, eis porque deveriam os leigos portarem-se ao contrário de quem aceita tudo e... nas chances de usar o microfone para platéias de igreja, dizer tudo o que acham que o padre deveria falar.

ESTEVAM - COMO O SENHOR VÊ AS BEATIFICAÇÕES?
TARCIZIO - O papa João Paulo II canonizou mais santos do que a quantidade deles acumulada em todo o período da existência da Igreja que antecedeu ao pontificado de Karol Vojtila. Enquanto fazem santos que no Brasil nem se sabe quem foi, pessoas como a minha mãe, por exemplo, por não ter “padrinhos” jamais um bispo, sequer, ouvirá falar dela. Esses estrangeiros não sei o que foram, mas a vida dela eu acompanhei: foi de santidade.

ESTEVAM - O QUE ACHA DA MANEIRA COMO OS FIÉIS CONCEITUAM ‘VERDADE’?
TARCIZIO - A orientação da Igreja é extremamente prejudicial, na medida em que torna as pessoas absolutamente convencidas de conhecerem a Verdade, de estarem com a verdade, de portarem a verdade (mas, que verdade?). Ela “está contida num Livro”. Ora, quem já descobriu a verdade não tem mais que buscá-la. E passa a se julgar melhor do que os que ainda tentam achá-la. Travestem-se de quem tem a verdade para ensinar, em lugar de convidar para que os outros se juntem a eles na procura, na busca, na investigação da Verdade. Ora, se eles “já a conhecem, detêm-na...”. São donos dela.

ESTEVAM - A IGREJA DEVE SER DEFENDIDA INCONDICIONALMENTE?
TARCIZIO - A defesa da Instituição, os fiéis a sentem como apregoada pelos clérigos como condição “sine qua non” para a suposta salvação. Sentem-na mais, como colocada acima mesmo de todos os demais interesses coletivos. Como se a adesão à Instituição (de forma a anular a própria vontade e liberdade) e aos seus mandamentos representasse garantia absoluta de bem-estar do corpo e da alma. E até como se esse bem-estar não pudesse ter lugar mais na vida dos fiéis uma vez extinta, eventualmente, a Igreja. Ou seja: se a Igreja acabar, acaba também o jeito de ir para o céu.

ESTEVAM - O SENHOR TEM ESSES PENSAMENTOS EXPOSTOS E FREQÜENTA A IGREJA...
TARCIZIO - Relativamente ao comparecimento à missa, o professor Tarcizio de Mauá nunca abandonou o hábito de freqüentá-la nos fins de semana. Ele o faz em função da necessidade da prática regular do exercício espiritual, que entende estar realizando ao, daquela forma, cultuar Deus. O fato de a maneira como vejo aquilo tudo lá, ser diferente da visão da platéia, isto hoje já não me incomoda tanto. O que busco, indo lá, é me sentir bem, em paz; refletir; sentir-me, como se diz: “a conversar com Deus, na casa dele”.

ESTEVAM - O SENHOR CONSIDERADA RESPONDIDA, NESTA ENTREVISTA, A PERGUNTA QUE LHE FIZERAM “QUAL É A SUA RELIGIÃO”?
TARCIZIO - Acho que o que ia dizer está contido aí, sim. Agradeço, até, a idéia de ter transformado a resposta numa entrevista, eis que, se ficou alguma coisa sem ser dito, talvez eu tenha até esclarecido outras sobre as quais a conversa não chegaria a versar. Obrigado, amigo Estevam, pela oportunidade de colocar as minhas idéias. Pode continuar publicando-as.

ESTEVAM – Como fechamento desta bela e relevante entrevista, tente, professor, resumir numa frase as idéias aqui passadas ao leitor.
TARCIZIO – Pois não. Eu diria o seguinte: As religiões formalistas tendem à fixação das crenças e à cristalização dos sentimentos; fossilizam a Verdade; desviam-se do serviço de Deus para o da Igreja; lutam entre si e entre os irmãos, em nome do amor, dando origem ao aparecimento das seitas e das divisões; estabelecem autoridades eclesiásticas pressivas; conduzem ao nascimento do falso estado mental aristocrático de povo eleito; mantêm idéias falsas e exageradas sobre a santidade; tornam-se rotineiras e petrificadas e acabam por venerar o passado, ignorando as necessidades do presente.

Histórico do autor:

ANTONIO CARLOS ESTEVAM nasceu em Ubá, Zona da Mata mineira, precisamente na Rua do Divino, 77 – fundos – Centro, no dia 15 de julho de 1951. Aos 6 anos residiu no Beco da Dona Elvira, memórias que meio século depois traria à luz no seu poema de mesmo nome, no livro Coletânea de Contos, Crônicas e Poesias, Academia Ubaense de Letras, Edição Especial 2007, comemorativa do Sesquicentenário de Ubá, p. 26 a 31.
Antonio teve por avós paternos: Francisco de Moura Estevão e Magdalena Soares de Moura; e maternos: Manoel dos Santos e Antonia Leite. Os genitores de Antonio, Fernando e Catarina se conheceram quando jovens lavradores ajudando os pais, ele na localidade rural da Barrinha e ela na da Pedra Branca.
Buscando amenizar a situação de extrema pobreza, após cessar definitivamente os estudos sem concluir o curso primário, Fernando tentou a vida no Rio de Janeiro como ajudante de pedreiro. Nesta altura a então namorada Catarina, que nunca fora à escola – impedida pelos pais por necessidade de dedicação integral à árdua labuta no campo – já trabalhava de empregada doméstica na cidade. A primeira patroa de Catarina viria a ser madrinha de batismo do segundo filho do casal, Antonio. Retornado a Ubá por motivo de insucesso na então capital da República, Fernando se emprega no comércio de secos e molhados do cunhado José Moreira Barros (ou Zé do Nute, ou Zé Larindo), casando-se em 1949.
Quando, em 1962, nasceu o caçula do casal (o oitavo filho), Antonio Carlos tinha onze anos por completar e já memorizara considerável volume de informações sobre a história da família, dado à sua mania de indagar tudo à mãe. Só não aprendera mais, porque muitas das perguntas eram censuradas e outras tantas Antonio nem se atrevia a formular. O aprendizado ia permitindo descobertas sobre as razões de ser-lhes a vida tão difícil.
Num tempo em que instrução formal ainda era como que proibida aos pobres, Antonio já se dava conta do fato de muitos dos colegas de aula, por exemplo, não serem desafortunados como ele. Assim, ainda em tenra idade, foi procurando assimilar os conselhos que recebia de pessoas, como a Tia Celina, para buscar vencer na vida pela via da escolarização.
O primeiro ano primário fora-lhe extremamente difícil de vencer. Um agravante teria sido o fato de ingressar na escola antes dos sete anos, por ser nascido em julho. Idade e estatura menores, sentia-se imaturo entre os colegas. Mas o ano seguinte acenaria com promessa de futuro. Já no 3º. ano primário arrancou elogios da professora Neusa Defelippe Durso, com a redação “A água, o ar e o solo”. A mestra apelidara Antonio de “caminhão sem gasolina”, porque ele dava de cor, por completo e em alta velocidade as lições de Geografia, História e Ciências.
A declamação de poesias como Deus (de Cassimiro de Abreu), Pássaro cativo (de Gonçalves Dias), Veludo (de Luís Guimarães) e de textos em prosa como A cigarra e a formiga (de autor desconhecido) resultaram na inclusão de Antonio Carlos no famoso Clube de Leitura. Aluno de confiança da professora para buscar os livrinhos na secretaria, distribuí-los aos colegas e retorná-los como devia, Antonio, que se tornara uma espécie de monitor, era citado por ela como exemplo a ser seguido pelos colegas.
Concluído o primário com média global 8 (oito), interrompe os estudos para trabalhar e ajudar no sustento em casa. Não havia Ginasial à noite em escola pública. Criado o gratuito Ginásio Dom Bosco para trabalhadores, pelo prefeito De Filippo, Antonio é agraciado pelo prof. José Aldair Mendes, via D. Neusa, com um curso noturno de Admissão ao Ginásio, particular (não existia público).

Em meio a novos colegas que também já trabalhavam, retorna aos bancos de escola aos 11 anos de idade. Durante o ginasial, aulas do Dr. Cícero Fernandes Brandão substituindo a professora de Português Olga Silva Reis impressionam Antonio com trechos do livro Oração aos Moços, de autoria do sábio Ruy Barbosa, que o aluno jamais conseguiria tirar da memória.
Ao longo do Ginasial, apaixona-se pelo ensino de metrificação de versos, do professor Francisco Arthidoro. Conhece “Minha Dor” (uma das poesias que não lhe sairia da cabeça), soneto que, dentre tantos outros, o então aluno Chiquinho Arthidoro, do antigo Gymnásio São José, publicara em periódicos do diretório estudantil.
Logrando êxito em exame de seleção, Antonio cursa Magistério. Já habilitado como Professor Primário – inclusive com estágio em escola-modelo em Belo Horizonte, (estagiou também em Ubá, no mesmo Grupo Escolar onde cursara o Primário) sob a orientação da professora Maria Maire Maciel –, freqüentava o curso Técnico de Contabilidade quando, aprovado em concurso público, a Caixa Econômica Federal o convoca para tomar posse na capital baiana, onde permaneceria lotado de 1974 a 1980. Aos tempos do curso Normal, tratamentos de disritmia cerebral e de úlcera péptica levaram-lhe à perda de dois anos na escola. No mesmo período, contudo, teve elogiada a sua redação pela professora de Português e Literatura, irmã Marília Belini, na qual Antonio confidenciava-lhe sobre si e sua família, por carta. Nesta missiva, recapitulara a dispensa de concluir o Serviço Militar, concedida pela 4a.RM/JF a José Cláudio após lida, pelo oficial do exército, comovente carta remetida por Antonio a esse irmão recruta.
Durante os sete anos que precederam ao ingresso na Caixa, aprendera a “catilografar”, trabalhando como boy e, sucessivamente, nos departamentos de Material, de Recursos Humanos e de Contas a Pagar, em indústrias. Acumulara bons conhecimentos de redação comercial, fruto da releitura sistemática de expedientes cuja linguagem chamava-lhe muito a atenção. Já na Caixa, a obstinação pela leitura dos atos normativos da empresa, cultivada desde à admissão, tornara Estevam “o coringa da agência”, nos dizeres do seu gerente Walter Ferreira Pinto, do qual costumava tirar dúvidas sobre conteúdos das Normas de Serviço, por fim recebendo do chefe o cognome de “manual ambulante”.
Aos tempos em Salvador, concluíra o segundo curso de nível-médio, prestando vestibular e, decorridos quatro anos, colando grau de bacharel na Faculdade de Ciências Contábeis da Fundação Visconde de Cairu. Na ocasião escreveu, a pedido, o texto autobiográfico Meu Curso Primário, para utilização na tese de mestrado em Educação da esposa do professor doutor Sudário.

Escolhido para diagramador do Jornalecon, da Associação dos Economiários da Bahia, publica (nele) a sua primeira poesia, um acróstico. Sucedem-se outras publicações, algumas das quais hoje contidas no opúsculo Fragmentos, que lançou em 1997. Já de volta a Ubá, fez sucessivas publicações de artigos no periódico do Sindicato dos Bancários de Cataguases e no jornal da APCEF-MG. Tópico de sua autoria foi citado na revista FenaeAgora, da Federação Nacional das Associações Economiárias – tiragem 70.000 exemplares. Publicações avulsas no Tribuna Regional valeram-lhe a amizade do escritor ubaense Sílvio Braga. A partir de 1998 manteve, no mesmo semanário, colunas diuturnas como Recuando no Tempo, Ubá em Foco e Excertos do Asal. Foi também colaborador do jornal Folha do Povo.
Mantém atualmente, no Gazeta Regjornal - aliás, desde o segundo ano da fundação desse hebdomadário (1988) – a coluna Fragmentando, onde, eclético, escreve sobre tema livre. Das centenas de artigos e entrevistas já publicados, muitos farão parte do seu segundo livro, ora em fase de montagem, já prefaciado pelo escritor Sílvio Braga, falecido em 05/08/2003 e cujo nome inicialmente seria Laudas Amadorísticas, depois Solaudas, depois Laudassó. Em outubro de 1999, Estevam prefaciou o livro Afinidades, de autoria do comendador José dos Santos Pereira, homenageado da Festa do Ubaense Ausente em 2001, professor da Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica de Volta Redonda, da Universidade Federal Fluminense.
Casado há 31 anos com Mara Margareth de Mello Estevam, têm 3 filhos: Amanda, 30, bioquímica; Marlus, 28, advogado, Analista Judiciário no TST em Brasília (ambos casados em 2009); e o caçula Elton, 23, universitário na UFOP.

ESTEVAM É SUCESSOR DE SÍLVIO BRAGA NA CADEIRA N. 21 DA AULE
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A seguir:
DADOS BIOGRÁFICOS DO PATRONO

Ao meio, D. Orminda Braga, a mãe dos 11; Na ponta esquerda, Otávio e direita Ismael Gomes Braga
O jornalista e poeta Otávio Braga (1917-1949), brilhantemente escolhido para patrono da cadeira n. 21 da AULE, por mim ocupada desde novembro de 2005 – em sucessão ao insigne escritor ubaense Sílvio Braga, o que, aliás, muito me honra – deixou vasta obra poética inédita, além de publicar dois livros, inclusive novela. Morreu vítima de tuberculose aos 32 anos. Estudou no Colégio Raul Soares. Trabalhava no Banco de Crédito Real. No livro Antologia Literária Ubaense, lançado por esta Academia em 1986, destaquei, dentre as várias poesias assinadas por Otávio Braga, o soneto intitulado Solidão.
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